KUSAHARA, Machiko
A idéia de originalidade para os japoneses é totalmente diferente da que se tem sobre os direitos autorais. Eles são, inclusive, muitas vezes acusados de não respeitarem esses direitos – freqüentemente copiam softwares, por exemplo.
A poesia haicai, que é parte da cultura dessa sociedade, mostra, de maneira clara, como eles lidam com essas idéias de originalidade e direitos autorais. Esse tipo de poesia teve muita influência da literatura chinesa na sua fundação; é um tipo de poema curto que tem uma longa história.
O haicai tem uma enorme importância na cultura japonesa e chega a fazer parte da comunicação. Fazer um poema ou responder a um poema é considerado um jogo sério de inteligência. Um bom haicai será citado não em sua totalidade, mas como parte dele, que será respondido pela parte de outro poema; assim vão se formando novos haicais a partir dos fragmentos utilizados. As palavras dos poemas, de certo modo, acabam se tornando uma espécie de “gene” na literatura, pois ao serem usadas repetidamente, seus significados originais vão mudando ou enriquecendo gradativamente. O poeta japonês então – de um modo estranho para os ocidentais – fica satisfeito se parte de seu poema for utilizado em outro poema, por outra pessoa. Um haicai apreciado é registrado com o nome do poeta na publicação oficial da corte, mas, ao mesmo tempo, é interessante para eles se ele for decomposto e reutilizado por outros, usando sua força metafórica.
Essa tradição se reflete na mais contemporânea arte digital japonesa: alguns artistas lançam seus trabalhos em uma rede e convidam os usuários a descarregar as imagens e fazer sua própria imagem, modificando-as. O ilustrador Katsuhiko Hibino fez uma experiência dessas em 1994 porque estava curioso sobre como as pessoas iriam interpretar e modificar suas imagens. O artista Noriyuki Tanaka participou desse experimento com Hibino e foi mais além, criou um CD-ROM intitulado The Art of Clear Light. Este CD contém fotografias de Tanaka e um software que possibilita que os usuários movimentem as imagens e leve suas próprias fotografias ou desenhos para modificar as fotos do artista.
Esse tipo de abordagem é um meio totalmente diferente de mostrar o trabalho de um artista, que, geralmente, exibe o trabalho em sua forma completa, sem que seja alterado em nenhum sentido. Noriyuki Tanaka insiste que suas imagens deveriam ser vistas incorporadas com as do usuário, unindo assim as duas consciências (a do artista e a do usuário) e produzindo um novo significado. Seria a fusão do ego de uma pessoa com outros egos para ver o que está além.
O RENGA, realizado pelos artistas Toshihiro Anzai e Reiko Namakura, é o projeto de arte mais importante que ilustra a reencarnação da tradicional cultura japonesa. Nesse projeto, um artista prepara uma imagem e manda para outro artista via rede. O outro artista a modifica, da maneira que queira, e transforma a imagem em seu próprio trabalho, enviando de volta para o outro. As sessões continuam até eles julgarem que a série está saturada. (Esse processo, claramente, nos remete à poesia haicai)
O conceito do RENGA está intimamente ligado com a natureza da tecnologia digital e com a idéia de originalidade. De um modo geral, um artista resistiria em modificar o trabalho de outro artista, pois isso significaria destruir o trabalho de alguém. Com as pinturas digitais, porém, podem-se fazer facilmente quantas cópias se queiram de uma imagem sem degradar a qualidade do original. O valor de um trabalho de arte não pode mais se basear na originalidade física da peça, pois, no caso do RENGA por exemplo, um artista pintaria digitalmente, faria uma cópia e mandaria para outro artista por e-mail. É uma imagem que está na tela sem existência física nenhuma e pode facilmente ser copiada, modificada ou apagada da tela sem deixar nenhum vestígio da imagem original. É um processo completamente diferente de pintar por cima do quadro a óleo de alguém. O sentido de ser dono do próprio trabalho desaparece.
Essa maneira com a qual os japoneses enxergam a originalidade, de uma maneira bem diferente dos ocidentais – geralmente presos aos direitos autorais – fortalece a idéia de Walter Benjamim, exposta em seu texto “Magia e técnica, arte e política”: “O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente.” Ao analisarmos essa tradição do haicai empregada na arte contemporânea digital japonesa podemos também questionar sobre a autenticidade e a destruição da aura. Onde estaria a aura de uma imagem que está na tela de um computador e pode gerar cópias idênticas sem alterar o original? No texto inclusive, o autor Machiko Kusahara, diz que cópia e original são idênticos e não há diferença entre eles. Teria uma tradição, uma história, uma imagem sem existência física concreta e que pode ser deletada sem deixar vestígios a qualquer instante?
KUSAHARA, Machiko. "Sobre a originalidade e a cultura japonesa". In: Domingues, Diana(org.) A arte no século XXI. São Paulo, 1997. Ed. Unesp.
A poesia haicai, que é parte da cultura dessa sociedade, mostra, de maneira clara, como eles lidam com essas idéias de originalidade e direitos autorais. Esse tipo de poesia teve muita influência da literatura chinesa na sua fundação; é um tipo de poema curto que tem uma longa história.
O haicai tem uma enorme importância na cultura japonesa e chega a fazer parte da comunicação. Fazer um poema ou responder a um poema é considerado um jogo sério de inteligência. Um bom haicai será citado não em sua totalidade, mas como parte dele, que será respondido pela parte de outro poema; assim vão se formando novos haicais a partir dos fragmentos utilizados. As palavras dos poemas, de certo modo, acabam se tornando uma espécie de “gene” na literatura, pois ao serem usadas repetidamente, seus significados originais vão mudando ou enriquecendo gradativamente. O poeta japonês então – de um modo estranho para os ocidentais – fica satisfeito se parte de seu poema for utilizado em outro poema, por outra pessoa. Um haicai apreciado é registrado com o nome do poeta na publicação oficial da corte, mas, ao mesmo tempo, é interessante para eles se ele for decomposto e reutilizado por outros, usando sua força metafórica.
Essa tradição se reflete na mais contemporânea arte digital japonesa: alguns artistas lançam seus trabalhos em uma rede e convidam os usuários a descarregar as imagens e fazer sua própria imagem, modificando-as. O ilustrador Katsuhiko Hibino fez uma experiência dessas em 1994 porque estava curioso sobre como as pessoas iriam interpretar e modificar suas imagens. O artista Noriyuki Tanaka participou desse experimento com Hibino e foi mais além, criou um CD-ROM intitulado The Art of Clear Light. Este CD contém fotografias de Tanaka e um software que possibilita que os usuários movimentem as imagens e leve suas próprias fotografias ou desenhos para modificar as fotos do artista.
Esse tipo de abordagem é um meio totalmente diferente de mostrar o trabalho de um artista, que, geralmente, exibe o trabalho em sua forma completa, sem que seja alterado em nenhum sentido. Noriyuki Tanaka insiste que suas imagens deveriam ser vistas incorporadas com as do usuário, unindo assim as duas consciências (a do artista e a do usuário) e produzindo um novo significado. Seria a fusão do ego de uma pessoa com outros egos para ver o que está além.
O RENGA, realizado pelos artistas Toshihiro Anzai e Reiko Namakura, é o projeto de arte mais importante que ilustra a reencarnação da tradicional cultura japonesa. Nesse projeto, um artista prepara uma imagem e manda para outro artista via rede. O outro artista a modifica, da maneira que queira, e transforma a imagem em seu próprio trabalho, enviando de volta para o outro. As sessões continuam até eles julgarem que a série está saturada. (Esse processo, claramente, nos remete à poesia haicai)
O conceito do RENGA está intimamente ligado com a natureza da tecnologia digital e com a idéia de originalidade. De um modo geral, um artista resistiria em modificar o trabalho de outro artista, pois isso significaria destruir o trabalho de alguém. Com as pinturas digitais, porém, podem-se fazer facilmente quantas cópias se queiram de uma imagem sem degradar a qualidade do original. O valor de um trabalho de arte não pode mais se basear na originalidade física da peça, pois, no caso do RENGA por exemplo, um artista pintaria digitalmente, faria uma cópia e mandaria para outro artista por e-mail. É uma imagem que está na tela sem existência física nenhuma e pode facilmente ser copiada, modificada ou apagada da tela sem deixar nenhum vestígio da imagem original. É um processo completamente diferente de pintar por cima do quadro a óleo de alguém. O sentido de ser dono do próprio trabalho desaparece.
Essa maneira com a qual os japoneses enxergam a originalidade, de uma maneira bem diferente dos ocidentais – geralmente presos aos direitos autorais – fortalece a idéia de Walter Benjamim, exposta em seu texto “Magia e técnica, arte e política”: “O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente.” Ao analisarmos essa tradição do haicai empregada na arte contemporânea digital japonesa podemos também questionar sobre a autenticidade e a destruição da aura. Onde estaria a aura de uma imagem que está na tela de um computador e pode gerar cópias idênticas sem alterar o original? No texto inclusive, o autor Machiko Kusahara, diz que cópia e original são idênticos e não há diferença entre eles. Teria uma tradição, uma história, uma imagem sem existência física concreta e que pode ser deletada sem deixar vestígios a qualquer instante?
KUSAHARA, Machiko. "Sobre a originalidade e a cultura japonesa". In: Domingues, Diana(org.) A arte no século XXI. São Paulo, 1997. Ed. Unesp.
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